02/09/2008

Espeleoconservação (I)

Valorizar o património espeleológico

[ACTUAL ● Jornal Forum Ambinte nº 252, 12 de Outubro de 1999]


© Porto Covo

Mais de vinte países reunidos em Lisboa, no Congresso Europeu de Espeleologia, decidiram criar um grupo de trabalho para elaborar uma carta europeia para valorização deste património. Portugal disponibilizou-se para a fase de arranque da ideia.


Congresso Europeu Espeleologia
Grutas para o futuro

Lisboa acolheu o III Congresso Europeu de Espeleologia, onde se comemorou o 50º aniversário dos pioneiros desta actividade em Portugal e se desenvolveram diversas iniciativas em prol do mundo subterrâneo.

A necessidade dos espeleólogos efectuarem iniciativas para a protecção e a conservação das grutas (veja rubrica FORA DE PORTAS), velarem pela salvaguarda das águas subterrâneas e das paisagens próprias das regiões cársicas foram ideias fortes expressas na moção apresentada no III Congresso Europeu de Espeleologia. A iniciativa decorreu, de 1 a 3 de Outubro, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A moção, que merece destaque entre as iniciativas que decorreram durante o congresso, foi apresentada por Jean-Pierre Bartholeys, Presidente da Comissão de Protecção do Carso e das Grutas da União Internacional de Espeleologia, no encerramento do simpósio sobre “Promoção das grutas turísticas e suas regiões”. Os objectivos da moção devem-se inscrever no quadro de uma gestão rigorosa, inteligente e científica do ambiente e dos recursos naturais. A protecção não se limita à aplicação de leias ou regulamentos existentes, envolve a concepção de instrumentos originais e inovadores que tenham em conta a especificidade de cada região e onde as decisões de gestão sejam tomadas pelo(s) proprietário(s) do(s) terreno(s), cientistas, espeleólogos e entidades competentes. Essa moção propôs ainda um “Ano Europeu das Grutas Turísticas”, para 2000, ideia que encontra a sua justificação natural no facto dessas cavidades representarem a vitrina ideal para a compreensão da necessidade de proteger o património subterrâneo comunitário, milenário e sensível. Segundo Bartholeyns: “As nossas motivações uma vez compreendias farão com que a beleza do mundo subterrâneo seja respeitada ao longo de gerações”.

Carta espeleológica europeia
A moção do simpósio sobre “Protecção e conservação das grutas e das regiões cársicas”, apresentada por Olímpio Martins, também será de salientar pelas suas implicações ambientais. Face às inúmeras pressões a que estão sujeitas as grutas e regiões cársicas, que fundamentalmente advêm do mau uso do território, e dada a responsabilidade que a comunidade espeleológica detém sobre esta matéria, os participantes no congresso sugeriram a implementação de diversas medidas. A Federação Europeia de Espeleologia deverá providenciar e promover acções concretas que conduzam à valorização e conservação do património espeleológico europeu, bem como desenvolver estratégias que permitam assumir-se como um importante grupo de pressão.
Também foi apontada a criação, até ao final do corrente ano, de um grupo de trabalho, formado por elementos de cada país membro. Grupo de trabalho encarregue deelaborar, até 2001, uma proposta de uma carta europeia para a valorização e conservação do património espeleológico e potenciar a Directiva Habitats, nomeadamente através dos artigos referidos no Anexo 1 (habitats rochosos e grutas não turísticas). Portugal disponibilizou-se para a concretização dos procedimentos necessários à fase de arranque da moção.
A organização do congresso esteve a cargo da Sociedade Portuguesa de Espeleologia (SPE) e da Federação Espeleológica da Comunidade Europeia (Speleological Federation of the European Community - SFEC). O úmero de participantes ultrapassou as duas centenas e estiveram representados mais de 20 países, para além do organizador (Portugal).


Meio século de espeleologia

Os cinco simpósios do III Congresso Europeu de Espeleologia foram subordinados aos temas “Importância da espeleologia no progresso das ciências afins”, “Protecção e conservação das grutas e das regiões cársicas”, “Promoção das grutas turísticas e suas regiões”, “Influência da espeleologia no despertar das vocações da juventude” e “50º Aniversário da SPE”.
O simpósio sobre o 50º Aniversário da SPE realizou-se no dia 2 de Outubro, tendo contado com a participação do actual presidente dessa sociedade espeleológica, José António Crispim, e de dois sócios fundadores, Américo Condinho, o primeiro construtor de material de espeleologia em Portugal, e Alves Pereira. A SPE é a associação pioneira, desde 1948, da espeleologia organizada em Portugal, agrupa diversos especialistas da matéria e procura divulgar a modalidade nomeadamente com o intuito de despertar novas vocações.

Provas dadas
A idoneidade da SPE, reconhecida a nível nacional e internacional, é testemunhada pelas inúmeras solicitações, da parte de organismos públicos e de entidades privadas, para esta efectuar estudos especializados ou fornecer pareceres nas suas áreas de actuação. Idoneidade mais uma vez confirmada pelo empenho na organização do III Congresso Europeu de Espeleologia que trouxe a Portugal espeleólogos de variados pontos do globo.
O III Congresso Europeu de Espeleologia, cujas sessões centrais se realizaram no edifício C3 da FCUL, contou com a apresentação de comunicações, posters e exposições, projecção de filmes e de diapositivos, venda de livros e de material de espeleologia, entre outras iniciativas. As actividades pré e pós congresso incluíram excursões e saídas de campo nomeadamente nas regiões do Alentejo, Algarve e Açores.

© Algarve

[A publicação desta peça jornalística, no dia de hoje, prende-se apenas com o facto de, após quase um década passada sobre a realização do III Congresso Europeu de Espeleologia, realizado em Lisboa, ter terminado no passado domingo (30 de Agosto) o IV Congresso Europeu de Espeleologia, organizado pela Federação Francesa de Espeleologia (FFS), na região do Vercors.
Durante o III Congresso Europeu de Espeleologia a SPE comemorou meio século de existência e, este ano precisamente, comemora 60 anos de actividade. Uma bonita idade para comemorar e nos congratularmos independentemente das divergências intestinas existentes, mais ou menos manifestas ou encobertas, no meio espeleológico português.]

4 comentários:

NALGA disse...

Pois só e pena que a SPE como organizador local se tenha "esquecido" de publicar as actas desse congresso até á data de hoje, talvez seja este ano para comemorar os seus 60 anos, vou continuar a espera, eu e todos os que participamos nesse congresso.
Mas como a SPE já não está na FSUE tenho as minhas dúvidas de ver essas actas.
Abraço
P.Robalo

Pedro Cuiça disse...

Antes de mais, gostaria de referir que respeito a tua posição e reafirmar a minha solidariedade face à tua expulsão da SPE, tal como a estima que nutro pela tua pessoa. Portanto, nesse contexto, também gostaria que esta minha intervenção não fosse interpretada como um ataque pessoal (bem pelo contrário), porque não o é, mas vejo-me obrigado a clarificar a minha posição face ao que tenho vindo a publicar no Spelaion. Aliás, para o bem e para o mal, aquilo que está escrito espelha o que penso… De resto, as pessoas não se devem limitar a ler devendo compreender e interpretar o que está escrito e, claro, quem quiser “vestir o carapuço” faz favor… E isto não é dito porque é politicamente correcto, agradável de se dizer ou porque pretendemos estar de bem para com Deus e o Diabo, é simplesmente porque respeitamos e, mais, apreciamos opiniões diversas e até contrárias às nossas. Voilá! Será assim tão difícil conviver com a diferença?

Pois é, realmente é pena que a SPE não tenha publicado as actas do congresso; para não dizer lamentável... O que não retira o mérito da SPE ter organizado o dito congresso, nem melindra a qualidade do mesmo, nomeadamente no tocante ao nível e interesse das palestras apresentadas.
No tocante à SPE já não estar na FSUE só prova que o mundo dá muitas voltas e muitas mais voltas irá dar certamente... De resto, não partilho de reacções do género "bem feita", "boa" ou "toma lá" no que respeita à SPE, o que não me impede de congratular ou "parabenizar", como se queira, a FPE pelo que conseguiu... E que fique bem claro que o mesmo se aplicaria caso as coisas se tivessem processado inversamente, ou seja, ter sido a FPE a sair da FSUE e a SPE a penetrar na dita. Paradoxal? Nem por isso.
É essencial deixar bem claro que o que me move são conteúdos, opiniões, conhecimento… e, o mais importante, correr por gosto, desfrutar, divertir-me. O que realmente me interessa é a espeleologia e a protecção do mundo subterrâneo, bem como, e muito importante, praticá-la com gosto e, já agora, alguma honestidade intelectual (e não só). E para praticar “espeleo” com gosto é fundamental, antes de mais, ter “pica” e haver companheirismo, bom “ambiente”, bom “feeling”; caso contrário, “antes sozinho do que mal acompanhado”. Trata-se de uma questão postural… É complicado quando se confunde o essencial pelo acessório… Os tribalismos, os secretismos, as questiúnculas pessoais, as guerrinhas e guerrilhas mais ou menos assumidas ou dissimuladas, a desonestidade ou a “venda do bacalhau da Noruega” entre outras merdas, desculpa-me o termo, não só não me motivam ou estimulam como começam a irritar-me solenemente. Há duas décadas quando me falavam de “inimigos” e outros disparates ainda achava alguma piada mas, hoje em dia, confesso já não ter pachorra; não dou mais para esse peditório, não vou por aí. Independentemente de ser ostracizado, intencionalmente ignorado ou maltratado, simplesmente não vou por aí… Era o que faltava! Mais, não vou cercear a minha opinião enquanto cidadão ou deixar de efectuar um trabalho jornalístico e, muito menos, subvertê-lo porque existem grupos de pressão, pretensos assuntos tabu ou formas consideradas politicamente correctas de abordar determinados assuntos ou simplesmente de calar outros tantos. Os fins nem sempre justificam os meios… Portanto, creio que deixei clarificada a minha posição sobre a matéria: o que me interessa é a espeleologia, não o “folclore” em torno da mesma.
Eu não estou contra a SPE, contra a FPE ou contra quem quer que seja: gostar, praticar e interessar-se por espeleologia não se trata de uma guerra contra quem quer que seja e quem assim pensar está alarvemente equivocado...Por outro lado, quem busca esta actividade para satisfazer motivações duvidosas, nomeadamente o frequente "sindroma da ave rara”, ou acalmar frustrações profundas sempre pode recorrer a auxílio psicológico...
Gostaria de reiterar que acho lamentável a SPE não ter publicado as actas do congresso em questão, mas muito mais lamentáveis são as atitudes de alguns espeleólogos que teimam em alimentar posições de todo censuráveis e indignas, nomeadamente no que concerne ao achincalhamento de pessoas e entidades. Outros fazem-nas pela calada, mas são tão censuráveis (ou mais) quanto aqueles que partem desabridamente para lavagens de roupa suja on line. Seria tão interessante quanto vergonhoso se algum dia se escrevesse uma história da espeleologia portuguesa nos últimos 20 anos e se contasse, sem papas na língua, muitas das coisas lamentáveis que se passaram. Mas fartos de desgraças deveríamos estar todos nós e, nesse contexto, em vez de sermos retroactivos sejamos pró-activos rumo a um futuro melhor.

Abraço

Pedro Cuiça

NALGA disse...

Pois é Pedro, o que era mesmo essencial era a publicação das actas do mesmo congresso, pois foi muito interessante e assim só fica a saber o que se lá passou quem lá esteve. Isto é valido para qualquer entidade que organize um evento desse calibre, espero que a FPE não se esqueça disso também em relação as jornadas de Leiria, além disso as pessoas pagaram por isso no congresso de Lisboa.
Quanto a saída da FSUE, foi provavelmente porque a SPE não teve argumentos para manter a representação, sabe-se lá porque.
Qualquer entidade que se quer respeitada têm que respeitar as outras entidades também, e não enterrar a cabeça na areia e ignorar o que se passa á sua volta.
Vamos ver se desta vez os nossos colegas franceses se esquecem das actas…espero que não.
Abraço
P. Robalo

Pedro Cuiça disse...

Estou 100% de acordo contigo: de facto, seria desejável (ou até exigível) que todas essas actas fossem publicadas. Com as devidas ressalvas, isso de “levar tudo pela mesma tabela” parece-me bem.

No que respeita “à saída da FSUE” por parte da SPE será conveniente estar na posse de dados que permitam falar da situação com algum rigor. Não conheço o que se terá passado mas provavelmente quer a SPE quer a FPE continuam a pertencer à FSUE, tal como já sucedia, apenas terá mudado a representação, não será isso? Mas, mais importante do que a entidade que representa Portugal é o que essa entidade faz, em concreto, dessa representação, nomeadamente no que concerne ao desenvolvimento da espeleologia no nosso país. Mas, claro, aí já as coisas se complicam e entramos na típica neblina que caracteriza estes assuntos… O que “interessa” é perder tempo a atirar umas vezes ao lado, outras ao ar e outras ainda nos pés, em torno dos típicos temas acessórios da eterna “história” SPE versus FPE (e vice-versa), enquanto o essencial permanece recorrentemente ignorado. Talvez isso até agrade a certas pessoas, cujo desviar das atenções para assuntos acessórios seja útil! Enquanto andamos entretidos nas tricas e mexericos do costume não se questionam as fragilidades e as insuficiências congénitas da espeleologia nacional, não é? Por isso é que a questão (ou a falsa questão) SPE versus FPE é profundamente perniciosa.