04/11/2008

Cordilheira da Arrábida

Ordenamento Turístico
Regras na Arrábida

[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 158, 5 de Dezembro de 1997]

As actividades de ar livre, no Parque Natural da Arrábida, vão estar sujeitas a regras precisas, integradas num plano de ordenamento turístico. O debate organizado pelo Núcleo Cicloturista de Sesimbra, no passado sábado, centrou-se sobretudo nas pedreiras e na Gruta do Zambujal. No entanto, o turismo foi apontado como um dos problemas mais graves dessa área protegida.

No passado sábado, dia 29 de Novembro, o Núcleo Cicloturista de Sesimbra (NCS) organizou, no auditório - Centro de Formação Profissional para Sector das Pescas, em Sesimbra, um debate sobre desenvolvimento sustentável neste concelho. Espaço de discussão sobre a preservação das riquezas naturais do concelho de Sesimbra, contou com o apoio do Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB), Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente (CPADA) e Núcleo de Espeleologia da costa Azul (NECA). O mar constituiu o primeiro tema, onde se debateram sobretudo aspectos ligados com a pesca, base da economia local. Salientou-se igualmente a necessidade de classificação do litoral como área protegida submarina, classificação necessária à própria salvaguarda da actividade piscatória. Não ficou esquecida a necessidade de enquadramento das actividades aquáticas (nomeadamente o mergulho).
Mas Sesimbra caracteriza-se por uma dualidade entre o mar e a serra. E foi a serra precisamente o tema da segunda parte do debate, que causou as maiores polémicas e onde se manifestaram os ânimos mais exaltados.
Um dos pontos quentes da discussão centrou-se nas declarações do director do Parque Natural da Serra da Arrábida (PNA) acerca do turismo nessa área protegida. Ricardo Paiva começou por salientar que o debate tratava o desenvolvimento sustentável no concelho de Sesimbra, não se circunscrevendo este somente ao caso das pedreiras. A reacção à passagem do documentário “Escrava de Pedra”, da jornalista Rita Saldanha, que abriu o debate sobre a serra.
Há muitas questões na Arrábida. Não são apenas as pedreiras, não é apenas a Gruta do Zambujal.” Segundo o director do PNA, a grande ameaça ou uma das grandes ameaças da Arrábida, em termos ambientais, consiste principalmente no “desordenamento turístico”. E “a circulação desenfreada de milhares de pessoas que procuram esta área especialmente apetecível” requer uma conveniente gestão.
Para Ricardo Paiva, a área do PNA apresenta “características óptimas para a prática dos novos turismos (ecoturismo, turismos radicais, turismos de natureza, etc.)”, mas por vezes esta colide com a conservação.
Com o intuito de minimizar os impactes das actividades out-door, o PNA encontra-se a elaborar o plano de ordenamento turístico da Arrábida. Em princípio, será do conhecimento público já no início do ano que vem, integrando a reclassificação do parque. “Será apresentada a discussão pública uma concepção de ordenamento turístico que vai passar pela limitação e interdição das actividades turísticas, nomeadamente as motorizadas e muitas das não motorizadas”, assegurou o director dessa área protegida.
As alusões à prática do cicloturismo não passaram desapercebidas ao anfitrião do debate, o NCS. “O cicloturismo passa a ser proibido no Parque Natural da Arrábida. Atenção, passa a ser proibido se for feito de uma forma desordenada. Ele passará a ser perfeitamente apoiado, passa a ser perfeitamente desejado, desde que devidamente enquadrado em regras que são definidas pela área protegida.
O director do parque referiu a incapacidade de “vigiar e controlar estas dezenas ou centenas de milhares de transeuntes que praticam todo o tipo de turismo”. Uns absolutamente inofensivos, outros extremamente agressivos para o ambiente. “Como não temos capacidade de controlar, com quatro guardas (que é o que nós temos na Arrábida), estes milhares de pessoas, a solução encontrada foi: vamos ter com as associações, vamos ter com as empresas, vamos definir as regras em que cada uma opera, quantas pessoas operam, onde operam, quando operam e vamos ordenar tudo isso.
No futuro plano de ordenamento turístico da Arrábida, as empresas e associações passam a ser responsáveis pela aplicação das regras fixadas pelo parque. Quando alguma não as cumprir, ser-lhes-á tirado, digamos assim, o “alvará” que terão de possuir para poderem desenvolver actividades nessa área classificada. O director do PNA reconheceu que a discussão pública não vai ser pacífica, mas salientou que “é uma forma perfeitamente legitima que o parque tem de preservar o espaço que está sob sua gestão”.
Carlos Sirgado, em representação do NECA, fez notar que não interessa proibir eventuais actividades úteis para o concelho. “Interessa sim condicioná-las a um nível e a um volume em que não se tornem muito gravosas”. Para este geógrafo, quando o engenheiro Ricardo Paiva referiu “que o usufruto e as intervenções turísticas na área do parque vão ser limitadas a acções concretas para que se saiba quem é que faz o quê, onde e quando”, só há que aplaudir. “Defendo que deve haver um controlo rigoroso do espaço, para que depois as coisas possam ser chamadas pelos seus nomes”, assegurou.
O representante dos espeleólogos mostrou-se igualmente céptico com a falta de guardas no PNA. É que, não havendo pessoal para efectuar o acompanhamento das actividades, poderá não haver autorização para a realização das mesmas. De facto, a crónica carência de meios, quer do PNA, quer do Instituto de Conservação da Natureza (ICN), poderá impossibilitar por completo a aplicação, no terreno, do ordenamento das actividades turísticas.
O geólogo Carlos Costa, da Universidade Nova de Lisboa, por seu turno, lembrou que muitas vezes os planos não têm aplicabilidade no terreno. Por outro lado, acentuou a importância destes serem amplamente participativos, de consulta pública abrangente. “Um processo que permita o envolvimento da população de forma desassombrada. Ou então corremos o risco destas situações continuarem relegadas para o amanhã.
Algumas das associações de actividades de ar livre é que, ao que tudo indica, não terão sido contactadas para contribuírem com os seus pontos de vista. A reacção de José Manuel Caetano, do NCS e presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta, não se fez esperar. Para este cicloturista, as palavras proferidas pelo director do parque foram ofensivas e despropositadas. O NCS é uma associação de defesa do ambiente que pauta as suas actividades no respeito pela conservação da natureza, pelo que as proibições, a avançarem, serão injustificadas. Francisco Rasteiro, do NECA, referiu que os espeleólogos não foram informados do ordenamento das actividades turísticas e desconhecem o conteúdo do mesmo.
Um plano de ordenamento das actividades turísticas que não passe por uma profunda discussão entre os cidadãos e instituições directamente envolvidas não terá certamente grande futuro. Serão mais um conjunto de normas inaplicáveis e desajustadas da realidade. Letra morta da lei ou plano aplicável? A ver vamos.

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