27/01/2009

Direitos das pedras

Conservar a Terra
Monumentos de Pedra


[FORA DE PORTAS ● jornal Forum Ambiente nº 321, 6 de Fevereiro de 2001]

As rochas, as grutas ou as montanhas têm direitos? A legislação é omissa e o tema torna-se premente face à destruição dos testemunhos da história da Terra.

Cantábria © Pedro Cuiça (2007)

Portugal continental apresenta uma significativa “geodiversidade”, ou seja, é rico em geo-recursos culturais, sendo alguns de reconhecido valor supra-nacional (como o Cabo Mondego). Mas, as regiões autónomas da Madeira e dos Açores também apresentam testemunhos monumentais da história da Terra. No entanto, o património geológico encontra-se completamente desprotegido do ponto de vista legal, tanto no continente como nas ilhas.
Na legislação portuguesa os “geótopos” não têm qualquer existência formal, ao contrário do que acontece com os biótopos. O conceito de recurso geológico está contemplado, mas refere-se apenas a recursos económicos existentes na crusta terrestre: recursos hidrotermais ou geotérmicos, jazigos minerais ou água de nascente.
Os recursos geológicos de índole cultural, que são igualmente não renováveis e susceptíveis de aproveitamento económico, não são considerados. Particularmente vulneráveis por não serem abrangidos, nem na legislação ambiental, nem na legislação sobre exploração de recursos geológicos, os geo-recursos culturais estão à mercê da destruição, muitas vezes devido à ignorância ou à incúria, outras vezes intencionalmente, mas sempre de forma impune.
Ao contrário do que acontece com a arqueologia, em que é obrigatória a comunicação de achados e a autorização para escavação, não existem normas o tocante à paleontologia ou à mineralogia, importantes disciplinas da geologia em que se verificam recolhas de materiais um pouco por todo o país, sem qualquer impedimento legal. Enquanto o espólio arqueológico é propriedade do Estado, o património geológico é “de quem o apanhar”. A comunicação de achados geológicos, a autorização para recolha ou escavação, a posse ou venda de espécimes descobertos, nada está enquadrado por legislação específica. Esta é completamente omissa, deixando o caminho aberto à saída de espólio para o estrangeiro e/ou para colecções particulares. Deste modo, o património geológico fica empobrecido e a comunidade científica privada de peças porventura importantes para o conhecimento da heo-história.

Preservar para conservar
Os espaços naturais que não estão abrangidos por legislação específica, caso dos geomonumentos ou geo-recursos culturais (em que se inserem jazidas de pegadas de dinossáurios, afloramentos, túneis de lava, entre outros), necessitam de urgente enquadramento legal. Reivindicação que, não sendo nova, continua a aguardar melhores dias. Entretanto, já foram protegidas diversas ocorrências, ao abrigo da legislação existente. Conhecem-se pouco mais de uma dezena de “geótopos” com estatuto de protecção, enquadrados em diferentes figuras de classificação. A protecção efectiva, no terreno, tem-se revelado contudo frequentemente ineficaz.
Um problema tão importante quanto a falta de legislação específica prende-se precisamente com a conservação, valorização e dinamização das ocorrências. O controlo do uso e gestão correcta de geo-recursos culturais, baseado idealmente em legislação específica sobre a matéria, será uma importante medida a implementar, assim como se torna premente o conhecimento dos locais de interesse geológico em que é necessária uma rápida intervenção conservacionista.
Os investigadores são unânimes em defender a necessidade de legislação que enquadre o património geológico português. Os instrumentos legais actualmente em vigor sobre as áreas protegidas são demasiado vagos para abarcarem os testemunhos da história da Terra. A criação da figura de geomonumento ou geo-recurso cultural evitaria a necessidade de recorrer à insuficiente legislação existente. Os investigadores defendem igualmente que o património geológico deve ser alvo de urgente inventariação e classificação, assim como de uma adequada divulgação junto do público.

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